domingo, 14 de janeiro de 2018

COMUNHÃO DE SENSIBILIDADE

Quando recebi o livro "Comunhão" de Maria de Lourdes Camelo e Getulino, já preparei o espírito. Já conhecia a escrita poética da Lulude e sabia de sua capacidade de revolver reminiscencias e jogar luzes sobre o que para muitos poderia passar como banais, cotidianas. E pra ficar completo, a vida tratou de entrelaçar seu destino a outro poeta, o Getulino, que tem a lente masculina, mas também de grande sensibilidade e entendimento da alma humana. Lulude nos leva a uma viagem no tempo, com uma maravilhosa reconstituição de época, lembranças de terra batida e pés nos chão, da Alvinópolis quase vila, dos negros da época e sua posição servil pós escravidão, porém amados e respeitados pelos que se importavam e se solidarizavam com qualquer tipo de injustiça, sobre o recato, elegância e reverência com que as pessoas se tratavam.Não vou comentar sobre cada capítulo. Nem cair na armadilha do "antigamente é que era bom".  Que cada um leia e interprete a partir de suas experiências pessoais. E agradeço muitíssimo por ter sido convidado a comungar de tão puro conteúdo. O efeito foi imediato. Enquanto ia lendo, não houve como não fazer minhas viagens no tempo e revolver algumas memórias profundas. Lembrei-me principalmente da minha mãe, escola de cortesia e delicadeza, uma pessoa de gestos e hábitos suaves. Do meu pai daqueles tempos, que nos levava montando cavalinho no ombro enquanto assoviava um bolero de Bienvenido Granda..Da minha vó de baixo, exemplo de moralidade e bondade. Dos meus tios Caetaninho e João de Vina, Babucho e Tutuia. Do meu avô Dominguinhos, Italiano bravo, consertador de carros que tinha um coração do tamanho do mundo. Forcei a memória um pouco mais e me lembrei de antigos caminhões que precisavam de  manivelas de ferro que os donos tinham de rodar com força para que dessem partida. Lembrei de ferros de passar roupa, que ainda usavam carvão. Dos ônibus tremendões circulando pela cidade, do cinema da rua de cima e do Sr Miltinho, do campinho onde é hoje a garagem da Lopes e Filhos.Do Jardim de infância e do Grupo de cima com Dona Mariângela, professora master. Depois no colégio com Sr Jayme, Zé Mauro, Rômulo, Aquiles, Xandoca, Maria Gonçalves, Selma, Nita, Silverio, Toquinho, Tatinho, Ênio, Repolês, Amir, Tio Tutuia, pessoas que comungaram conhecimento conosco, lições para a vida inteira. Voltei também as aulas de catecismo onde aprendi sobre o simbolismo da comunhão. Era tudo muito mágico. A comunhão era um ritual lindíssimo de amor e partilha A hóstia era pra mim algo entre o material e o etéreo, um substância tão santa, tão pura, que deveria flutuar na boca. Nada de mastigar. Era pra deixar desmaterializar, alimento espiritual que nos possibilitava o perdão para os erros e sempre, o renascimento. Deixei pra falar de comunhão no final do texto pra linkar com o título do livro e dizer que comungo de tudo nele contido. Mais uma vez agradeço pela consideração. E vamos pela vida afora nessa comunhão de histórias, vivências e delicadezas.